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UNIÃO

Cozinha sustentável

Além de pilotar com maestria suas panelas, alguns chefs brasileiros vão até o campo para resgatar antigas culturas, estimular novos plantios e valorizar o trabalho dos pequenos produtores

 

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A busca por vegetais mais frescos, cultivados sem agrotóxicos, levou José Barattino à roça, pela primeira vez, há cerca de três anos. Chef do elegante hotel Emiliano, em São Paulo, ele mapeou produtores orgânicos a uma distância máxima de 200 km do restaurante e passou a visitá-los. "Foi um baque ver de perto as dificuldades da agricultura familiar. Só então compreendi por que a produção deles não consegue chegar até nós. Faltava até meio de transporte." Em uma dessas viagens, Barattino foi apresentado a Dercílio Pupin. Filho de agricultores e formado em filosofia, ele cuidava de uma pequena lavoura em Jaguariúna, interior de São Paulo, e simultaneamente liderava a cooperativa Família Orgânica. 

O encontro, ocorrido no verão de 2009, viria mudar o destino do próprio chef e das 25 famílias que compõem a organização. "Em nossas conversas, ficou claro que a produção agrícola não pode se expandir se o consumidor não gerar demanda." Encaminhar a lista de compras à cooperativa, portanto, não seria o bastante. Para que a Família Orgânica pudesse investir na logística de distribuição para a cidade grande, Barattino assumiu o compromisso de adquirir uma quantidade mínima de legumes e verduras, o suficiente para justificar o aluguel de um caminhãozinho. "Quatro meses depois, vi que o negócio funcionava, mas eles precisavam ganhar mais dinheiro. Então passei a divulgar a novidade aos amigos e clientes." 

Em setembro de 2010, o Emiliano promoveu o evento Market Day, concebido como uma feira de negócios para apresentar os produtores à sociedade paulistana - enquanto a primeira edição recebeu 300 visitantes, a segunda, realizada em março de 2012, atraiu 2 500. O reflexo da divulgação é visível no campo: hoje, a Família Orgânica funciona como uma empresa azeitada e sustentável. Os cooperados produzem uma lista única com 200 produtos, enviada por e-mail, e vencem os 100 km até São Paulo uma vez por semana. Cerca de 30% do estoque, o equivalente a 100 kg em média, vai direto para a cozinha do Emiliano, enquanto o restante é vendido a clientes de vários bairros. Mais do que abrir um canal de distribuição, Barattino conseguiu reverter o quadro de acomodação que imperava nos pequenos sítios e chácaras. Inquieto e inovador em suas receitas de base italiana, o chef passou a encomendar muito mais do que couve, chuchu e cenoura. "Ele abriu nossos olhos para plantas que brotam espontaneamente e ninguém valorizava, como serralha, taioba, mangarito e araruta", conta Pupin. "Passamos a pesquisar e trocar informações com outros agricultores, gerando um intenso movimento de resgate cultural." Em contrapartida, Barattino foi apresentado ao curioso cará-moela, já adotado no cardápio.

 

 

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CORAGEM PARA MUDAR 
O contato direto entre profissionais da cozinha e pequenos agricultores, bandeira há muito hasteada pelo movimento Slow Food, com sede na Itália, tem sido encarado no mundo todo como uma importante ferramenta de preservação. E não só do meio ambiente como também dos saberes tradicionais do homem do campo. Estimulados por chefs inventivos, sempre às voltas com novas criações e empenhados em surpreender a clientela gourmet, pequenos agricultores conseguem romper a estagnação que, na maioria das vezes, acaba por expulsá-los do campo em direção à cidade. O produtor de arroz Francisco Ruzene, de Pindamonhangaba (SP), sabe disso melhor do que ninguém. Conhecido como Chicão, ele conta que seus 200 hectares, plantados com arroz do tipo agulhinha, estavam prestes a sucumbir. "Por integrar a cesta básica, a cultura é mal remunerada, mas todo mundo insiste nela. Agricultor é muito conservador, só sabe reproduzir aquilo que sempre fez." Para espanto dos vizinhos, Chicão rebelou-se e apostou no plantio de variedades especiais, que poderiam ser mais valorizadas pelo mercado.